Carta aberta à Presidente do Infarmed
Sra Presidente do Infarmed,
Desde o passado domingo que estava a pensar escrever-lhe. Segui com muito interesse, e atenção, a entrevista que deu à RTP. Algumas das suas declarações causaram-me imenso espanto. A Sra insinuou que os números relativos às faltas de medicamentos apresentados pelas farmácias são exagerados e que o sector do medicamento envolve muitos interesses. A instituição por si tutelada não reconhece que haja um problema de acesso ao medicamento porque, segundo diz, há poucas notificações. Acrescenta ainda que para a maioria dos medicamentos que possam estar em falta há uma alternativa e que, como a prescrição é feita por DCI, perante um medicamento em falta, a farmácia pode substituí-lo por uma alternativa.
Lamento desmenti-la mas não é essa a realidade que vejo todos os dias. É frequente passarem-me várias receitas pela mão que não consigo aviar na totalidade. Essa situação tem vindo a repetir-se desde há uns anos para cá. Afinal eu já trabalho há 20 anos e quando comecei a realidade era bem diferente. Não é verdade que a farmácia possa substituir o medicamento em falta com a facilidade que a senhora afirma. Tomemos como, por exemplo, o caso das insulinas, absolutamente essenciais para tantas pessoas. É verdade que há muitas insulinas no mercado mas todas elas têm as suas particularidades. A senhora acha que os farmacêuticos podem alterar a prescrição do médico?! Qualquer alteração tem que ser feita pelo médico e nem sempre é fácil chegar à fala com ele. Como se sentiria se fosse diabética e não soubesse se tinha insulina para tomar? Ou um medicamento para o glaucoma ou para a coagulação do sangue? Se por cada medicamento esgotado, os doentes tivessem que voltar ao médico o que é que isso faria aos serviços de saúde?
Também referiu que há poucas notificações ao Infarmed. Vou-lhe contar o que me aconteceu há uns anos precisamente com uma insulina esgotada. Tentei contactar o laboratório de várias formas e como não consegui, fiz uma notificação por email e recebi um email automático em que o Infarmed afirma que podia levar 15 dias a responder ao problema exposto. Não se pode esperar 15 dias por uma insulina. Aliás, não posso esperar 15 dias para resolver um medicamento em falta.
Durante a entrevista declarou que Infarmed tinha feito inspecções em 200 farmácias e só tinham detectado situações pontuais. Acredito até porque a farmácia onde trabalho já foi inspeccionada e no decorrer dessa acção foi-me perguntado se era habitual haver medicamentos esgotados. Eu, na minha boa fé, ia mostrar o ficheiro onde guardamos essa informação bem como as medidas que tomamos para tentar resolver o problema. Os inspectores disseram: "Não é preciso mostrar tudo. Dê só 2 ou 3 exemplos" . A senhora acha que é assim que se resolve o problema?! Com exemplos?!
A carta já vai longa e imagino que a senhora seja uma pessoa muito ocupada. Gostaria de terminar fazendo uma sugestão. Porque é que a Direcção do Infarmed não experimenta passar algumas horas numa farmácia. Talvez conseguisse perceber a verdadeira dimensão do problema. Iriam ouvir quantas vezes é que dizemos "está esgotado há x dias". Iriam ver que fazemos tudo o que está ao nosso alcance para obter os medicamentos para os nossos utentes. Iriam ver que a Via Verde do Medicamento não funciona. Talvez assim percebessem como é difícil dizer a um utente que não consigo obter o medicamento de que necessita em tempo útil. Experimente sair do seu gabinete, Sra Presidente e venha ver a realidade.
Cumprimentos
Charneca em flor farmacêutica