Durante alguns dias consegui ir escapando às notícias sobre o caso da menina, Jessica de seu nome, que foi brutalmente assassinada em Setúbal. Mas não foi fácil. Mesmo quando não vejo espaços noticiosos na televisão, as notícias vão aparecendo no telemóvel. Eu até costumo ser resistente a este tipo de situações, houve uma altura em que via as crónicas criminais dos programas da manhã enquanto almoçava. No entanto, esta história ultrapassa todos os limites do horror. É demasiado escabrosa até para mim.
É inacreditável como acontecem estes casos no séc. XXI. Como é que há quem acredite em bruxaria? Como é que as crianças continuam a ser tratadas como objectos que podem ser transacionados? Que sociedade estamos a construir se permitimos que os seus elementos mais frágeis e indefesos sejam sujeitos a este tipo de sevícias?! É preciso reflectir sobre o trabalho desenvolvido pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Quando surgem estes casos, parece que as acções da CPCJ são, claramente, insuficientes. Mas é preciso perceber se os meios de que dispõem são os adequados.
Uma sociedade que não é capaz de defender as suas crianças é uma sociedade falhada.
Não tenho grande hábito de ver programas de talentos. Tenho algumas colegas que costumam acompanhar o The Voice e vêem o programa à hora de almoço. Assim acompanhei os últimos episódios da edição da penúltima temporada de adultos e toda a última temporada. Tenho também acompanhado o The Voice Kids. É preciso ter um coração muito emperdenido para não ficar comovida e encantada com aquelas crianças. Mas quando começo a pensar sobre o programa sinto-me incomodada. Será legítimo utilizar as crianças para um programa de entretenimento? Quando os mentores têm que eliminar um concorrente, a maioria das crianças acabam lavadas em lágrimas. Até nos dói a desilusão pela qual as crianças passam. Se isso acontece na versão dos adultos, normalmente, os participantes estão lá pela sua própria decisão. Será que os pais deveriam permitir que as crianças passassem por isto? Cantar será o sonho só das crianças ou será também um sonho dos pais? Ou as crianças estão a concretizar os sonhos que os pais nunca conseguiram concretizar?
No início desta semana, aconteceu mais uma tragédia envolvendo crianças. Ao que tudo indica, uma mulher ter-se-á atirado ao rio com as 2 filhas. A mulher acabou por sair da água em desespero gritando que as filhas estavam na água. A mais nova foi retirada da água e foi sujeita a manobras de reanimação mas sem sucesso. No momento em que escrevo este post, ainda não tinha sido encontrado o corpo da mais velhinha.
Ao longo da semana foram-se percebendo mais pormenores. A família já estava sinalizada na CPCJ (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens) e havia um processo de investigação, desde Novembro, por suspeita de violência doméstica e abuso sexual por parte do pai das crianças.
Estas situações de crianças sinalizadas pela CPCJ e que acabam em desgraça já são recorrentes. Os processos são demorados e, muitas vezes, não se resolvem em tempo útil. A comunicação social, e consequentemente, a opinião pública culpa a inoperância do Estado por estes acontecimentos. E, na verdade, fica sempre a suspeita de que as autoridades não fizeram tudo o que podiam ter feito por estas crianças. E um Estado que não consegue defender os mais indefesos é um Estado com problemas de funcionamento. No entanto, toda a sociedade pode ser responsabilizada. Será que os restantes familiares, os amigos, as pessoas que rodeavam esta família fizeram tudo o que podiam?! Quantas vezes é que nós viramos a cara para o lado para fazer de conta que não vemos situações de violência doméstica?! Passamos os dias a olhar para o nosso umbigo e não vemos o que se passa à nossa volta. Não olhamos os outros nos olhos. Será que ninguém percebeu que esta mulher estava desesperada e perturbada? Esta mulher não encontrou ajuda quando a procurou ao fazer queixa do ex-companheiro e isso levou ao desespero. Só uma mãe muito perturbada e sem soluções é que comete um acto destes, caminhar para a morte e levar as pobres crianças com ela. Ela sobreviveu mas, imagino, que nestes últimos dias ela desejou, mais do que nunca, morrer.