Na última semana, o estado de saúde do actor Ângelo Rodrigues tem estado, quase em permanência, na comunicação social. Ao que tudo indica, o actor fez infiltrações de testosterona nos músculos por razões estéticas. Esta intervenção, sem indicação médica, provocou-lhe uma infecção gravíssima, problemas renais e já teve que ser sujeito a várias operações. Está em coma induzido e o prognóstico é muito, muito reservado.
E, de repente, parece que toda a gente acordou para esta realidade. Acontece que a utilização de testosterona, bem como outras substâncias anabolizantes, por razões estéticas e desportivas tem aumentado nos últimos anos. A finalidade é aumentar a massa muscular mas, obviamente, a maioria das pessoas que utilizam estas substâncias não são acompanhadas pelo médico porque a testosterona não deve ser utilizada com este fim já que o risco para a saúde é muito elevado.
Até o Infarmed descobriu, agora, a utilização ilícita destas substâncias. Surgiu, hoje, a notícia de que o Infarmed solicitou o auxílio da Polícia Judiciária para averiguar potenciais desvios dos medicamentos com testosterona do circuito legal do medicamento para mercados paralelos. Ou seja, só agora, por se ter atingido uma pessoa conhecida, é que o Infarmed descobriu este problema?!
Também ouvi uma notícia de que há uma entidade, não me recordo qual, a preparar uma campanha publicitária para alertar para os perigos da utilização ilícita de testosterona e outras substâncias.
Será tudo coincidência?! Ou o país só avança a reboque das notícias mais mediáticas?
Desde o passado domingo que estava a pensar escrever-lhe. Segui com muito interesse, e atenção, a entrevista que deu à RTP. Algumas das suas declarações causaram-me imenso espanto. A Sra insinuou que os números relativos às faltas de medicamentos apresentados pelas farmácias são exagerados e que o sector do medicamento envolve muitos interesses. A instituição por si tutelada não reconhece que haja um problema de acesso ao medicamento porque, segundo diz, há poucas notificações. Acrescenta ainda que para a maioria dos medicamentos que possam estar em falta há uma alternativa e que, como a prescrição é feita por DCI, perante um medicamento em falta, a farmácia pode substituí-lo por uma alternativa.
Lamento desmenti-la mas não é essa a realidade que vejo todos os dias. É frequente passarem-me várias receitas pela mão que não consigo aviar na totalidade. Essa situação tem vindo a repetir-se desde há uns anos para cá. Afinal eu já trabalho há 20 anos e quando comecei a realidade era bem diferente. Não é verdade que a farmácia possa substituir o medicamento em falta com a facilidade que a senhora afirma. Tomemos como, por exemplo, o caso das insulinas, absolutamente essenciais para tantas pessoas. É verdade que há muitas insulinas no mercado mas todas elas têm as suas particularidades. A senhora acha que os farmacêuticos podem alterar a prescrição do médico?! Qualquer alteração tem que ser feita pelo médico e nem sempre é fácil chegar à fala com ele. Como se sentiria se fosse diabética e não soubesse se tinha insulina para tomar? Ou um medicamento para o glaucoma ou para a coagulação do sangue? Se por cada medicamento esgotado, os doentes tivessem que voltar ao médico o que é que isso faria aos serviços de saúde?
Também referiu que há poucas notificações ao Infarmed. Vou-lhe contar o que me aconteceu há uns anos precisamente com uma insulina esgotada. Tentei contactar o laboratório de várias formas e como não consegui, fiz uma notificação por email e recebi um email automático em que o Infarmed afirma que podia levar 15 dias a responder ao problema exposto. Não se pode esperar 15 dias por uma insulina. Aliás, não posso esperar 15 dias para resolver um medicamento em falta.
Durante a entrevista declarou que Infarmed tinha feito inspecções em 200 farmácias e só tinham detectado situações pontuais. Acredito até porque a farmácia onde trabalho já foi inspeccionada e no decorrer dessa acção foi-me perguntado se era habitual haver medicamentos esgotados. Eu, na minha boa fé, ia mostrar o ficheiro onde guardamos essa informação bem como as medidas que tomamos para tentar resolver o problema. Os inspectores disseram: "Não é preciso mostrar tudo. Dê só 2 ou 3 exemplos" . A senhora acha que é assim que se resolve o problema?! Com exemplos?!
A carta já vai longa e imagino que a senhora seja uma pessoa muito ocupada. Gostaria de terminar fazendo uma sugestão. Porque é que a Direcção do Infarmed não experimenta passar algumas horas numa farmácia. Talvez conseguisse perceber a verdadeira dimensão do problema. Iriam ouvir quantas vezes é que dizemos "está esgotado há x dias". Iriam ver que fazemos tudo o que está ao nosso alcance para obter os medicamentos para os nossos utentes. Iriam ver que a Via Verde do Medicamento não funciona. Talvez assim percebessem como é difícil dizer a um utente que não consigo obter o medicamento de que necessita em tempo útil. Experimente sair do seu gabinete, Sra Presidente e venha ver a realidade.