A noite estava escura, chovia e estava nevoeiro. Nos dias anteriores a 4 de Março de 2001, a chuva tinha sido intensa provocando um aumento do caudal do Rio Douro. Pelas 21h15m, um autocarro e três automóveis atravessavam a Ponte Hintze Ribeiro que ligava as localidades de Castelo de Paiva e Entre-os-Rios. A população local sabia que a ponte estava degradada. O que ninguém poderia adivinhar é que as 59 pessoas, ocupantes daqueles veículos, estariam no lugar errado à hora errada. No momento em que o 4o pilar da ponte cedeu à corrente do rio e ruiu, aquelas 59 pessoas caíram em direcção à morte.
Era domingo. A notícia chegou à televisão algum tempo depois, não sei quanto. Tenho ideia que a programação foi interrompida ou que deram a notícia no intervalo. Obviamente, que fiquei impressionada com a notícia. Como não ficar?! Levei uns momentos a perceber que aquela ponte, acabada de ruir, era a mesma que eu tinha atravessado no Verão de 2000 quando fiz uma mini road trip ao Norte. No instante que caí em mim, fiquei arrepiada. Afinal, eu tinha atravessado uma ponte hipoteticamente segura (pois, se estava aberta ao trânsito?!) e uns meses depois assistia às imagens do tabuleiro da ponte mergulhado nas frias águas do Douro.
Todos os dias passo por uma ponte para ir trabalhar. Durante algum tempo, quando atravessava essa ponte, ficava nervosa. "Será que os pilares desta ponte são inspeccionados com frequência?", "E o leito do rio? Tenho visto barcos areeiros aqui perto da ponte. Será que alguém fiscaliza o trabalho deles?", eram estas as ideias que surgiam na minha cabeça naquela época. Mas depois a vida volta ao normal e vamos esquecendo.
Triste, foi mesmo muito triste. As pessoas que iam no autocarro deviam vir felizes, tinham ido numa excursão para ver o cenário mágico das amendoeiras em flor. Nalgumas aldeias do concelho de Castelo de Paiva, todas as famílias tinham perdido alguém ou mesmo vários elementos da mesma família. Nem sequer havia a hipótese de uns confortarem os outros porque estavam todas mergulhadas na mesma escuridão.
A acrescer à dor daquela perda, juntou-se a impossibilidade de enterrar os mortos, e fazer o luto, porque os corpos levaram muito tempo a aparecer. Alguns nunca chegaram a ser encontrados.
Passaram 20 anos e acredito que a ferida de dor, aberta nesse dia, nunca fechou completamente.
O Ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, assumiu a responsabilidade política e demitiu-se naquela mesma madrugada, articulando a frase "a culpa não pode morrer solteira"
Na verdade, a culpa nunca chegou a casar porque os engenheiros da antiga Junta Autónoma das Estradas e de uma empresa projectista foram absolvidos no julgamento para apuramento de responsabilidades. Ou seja, a ponte caiu mas ninguém teve culpa. Foram as circunstâncias. Será mesmo que ninguém errou ou foi negligente?! Quem diz que uma situação assim não se pode repetir?!
Aquelas pessoas eram pais, mães, filhos, avós, netos, irmãos, amigos de alguém. Podiam ser da minha família ou da tua. Eu gostaria de ter mais respostas sobre o sucedido mas nunca chegaremos a saber.
O país foi surpreendido por mais uma tragédia. Na passada 2a feira, ruiu a antiga EN 255 que, passando por uma pedreira, ligava Borba a Vila Viçosa. O aluimento das terras arrastou 1 retroescavadora pertence à empresa proprietária da pedreira e, a acreditar nas testemunhas, arrastou também 2 veículos que iam a passar na estrada. Há 2 mortos confirmados e 3 desaparecidos.
Na verdade, esta estrada, actualmente, é municipal porque já existe uma outra estrada nacional para ligar as 2 vilas alentejanas. Apesar disso, a estrada que desapareceu continuava a ser utilizada por muitos condutores incluindo turistas uma vez que era uma estrada muito pitoresca. Eu mesma já passei várias vezes por lá há uns anos. No fim da adolescência, início da vida adulta estive ligada a um movimento católico de jovens e os encontros diocesanos realizavam-se no Seminário de São José, em Vila Viçosa. Tal como o próprio nome indica, esta vila é uma das mais belas vilas alentejanas. Borba já não conheço tão bem.
A indústria do mármore tem sido um importante pólo de desenvolvimento para aquela região e as pedreiras dominam a paisagem. Agora, parece que todos sabiam que uma tragédia estava eminente desde autarcas, industriais do mármore, Direcção Regional da Economia e habitantes locais. Ao que parece, eram conhecidos estudos que indicavam que aquela estrada era perigosa e que a circulação devia ser restringida. As perguntas que se impõem são: Se já se sabia do perigo iminente, porque é que ninguém fez nada? De quem é a responsabilidade? Continua a ser preciso que aconteça uma tragédia para que os responsáveis actuem?
As notícias dos últimos dias fazem-me lembrar uma situação similar que aconteceu há 17 anos, a queda da Ponte Hintze Ribeiro em Entre-os-Rios que arrastou cerca de 60 pessoas para a morte. Nessa altura fizeram-se promessas de justiça. Ao fim de alguns anos foram levados a tribunal areeiros e técnicos responsáveis pelas avaliações de segurança. Foram todos absolvidos. Como diz o povo "a culpa morreu solteira".
E desta vez?! Será que a culpa arranjará noivo ou ficará sozinha como é habitual?!
Qual é a justificação para que estas situações se continuem a repetir?
Interrogo-me até que ponto as nossas estradas, pontes ou viadutos serão seguros. Para chegar ao meu trabalho tenho que atravessar uma ponte com mais de 50 anos. Durante algumas semanas depois desse dia 4 de Março de 2001, passava por lá com muito receio. Depois daquela tragédia, fizeram-se inúmeras inspecções a pontes e viadutos. Imagino que agora acontecerá o mesmo mas depois as pessoas vão-se acomodar porque a memória é curta. Só as famílias tocadas por esta dor é que nunca esquecerão.
No ano passado, depois do dia 17 de Junho pensava-se que toda aquela tragédia era uma situação pontual e que era impossível repetir-se. Doce engano. Afinal, aconteceu outra vez. A 15 de Outubro, fomos surpreendidos por mais um dia negro. Negro, pelo fumo, pelas cinzas, pelos mortos e pelo coração dos que sobreviveram. Mas pensámos, novamente, que não era possível ver imagens daquelas novamente. Portugal tinha aprendido a lição e tudo seria diferente. As imagens correram a Europa e o Mundo. Falou-se muito do combate aos incêndios quer a nível nacional quer a nível europeu. Era urgente melhorar o Mecanismo Europeu de Protecção Civil. Teríamos que aprender a lidar com estas situações. Pois...
Infelizmente, a televisão voltou a trazer-nos imagens de destruição, de dor e de morte. Desta vez não foi em Portugal mas sim noutro país do sul da Europa, na Grécia. Era impossível não nos lembrarmos do que se passou por cá mas, desta vez, a situação ainda me pareceu mais dramática. A destruição é indescritível. Os mortos já são mais de 80 mas ainda podem aumentar já que há 100 desaparecidos. As pessoas ficaram encurraladas entre um mar de chamas e o mar Egeu. Fugiram para a praia e, os que conseguiram, mantiveram-se dentro de água várias horas. Pelo que se sabe, ou se suspeita, alguns morreram afogados. Como em Portugal se morreu numa estrada enquanto se fugia do fogo.
Começo a acreditar nos cientistas que dizem que estes fenómenos se iriam repetir. Será que tem alguma coisa a ver com o tal aquecimento global que alguns teiman em dizer que não existe?!
Há dias este post da Just Smile fez-me lembrar uma situação que vivi há anos. Nada teve a ver com o blogue como a Just Smile mas sim com a minha vida professional.
Sou farmacêutica e trabalhei sempre em farmácia comunitária. Fui 2 vezes aliciada para exercer a função de directora-técnica de clínicas de veterinária que tinham também secção de farmácia veterinária. Na primeira vez que me solicitaram para essa função cheguei a ir falar com o veterinário. A conversa dele era que bastava dar o nome para ele poder cumprir a lei mas depois nem precisava de lá ir. A ideia era passar lá de vez em quando para verificar as validades e receber o vencimento, presumo. Da 2a vez nem cheguei a ir a nenhuma entrevista mas imagino que a ideia seria a mesma.
Era uma maneira fácil de ganhar dinheiro e o valor era apreciável. Não aceitei. Podia nunca haver qualquer problema mas eu não me quis responsabilizar pelas acções de outras pessoas sem nunca lá estar presente. A maioria das pessoas do meu círculo mais íntimo não perceberam a minha opção. Não há dinheiro nenhum que pague a minha consciência. Eu prefiro poder deitar a cabeça na almofada e dormir descansada.
O incêndio do centro do país continua a dar que falar, infelizmente. É um tema incontornável. As pessoas, quer os que viveram aquele inferno quer os que assistem à distância, interrogam-se. Como é possível que num país da UE, tão "avançado" tecnologicamente, portanto num país do 1° mundo (será?) morram 64 pessoas devido a um incêndio florestal? Em Portugal há cerca de 20 milhões de telemóveis e em que 3 em cada 4 portugueses estão permanentemente ligados à internet e não se consegues ter um sistema de comunicações de emergência e segurança a funcionar adequadamente? Todos os anos somos flagelados com incêndios graves. É preciso morrerem 64 pessoas para que se faça qualquer coisa? Não culpemos apenas este governo, esta ministra ou os seus secretários de Estado. Todos os governos dos últimos 40 anos, todos os deputados de todas as legislaturas têm a sua quota de culpa. Todos nós, que não soubemos exigir uma política de florestas adequada, temos a nossa quota de culpa.
Desde sábado que os meios de comunicação social descobriram uma série de especialistas das florestas e dos fogos. Aonde estiveram estes anos todos? Falaram e ninguém os ouviu?! Ou limitaram-se a investigar o assunto cientificamente?! De todos os lados aparece uma opinião e se apontam culpados.
Encontrar responsáveis pela tragédia não dará vida aos que pereceram mas pelo menos as famílias sentirão que a culpa não morrerá solteira como acontece quase sempre.
É triste ver como se criticam os bombeiros. Acredito que eles fazem o que podem com os meios que têm. São voluntários e não é pela mísera compensação económica que recebem que arriscam a vida. É por altruismo. Só o altruismo é que explica como eles correm para os incêndios, como os combatem até não poder mais. Durante o resto do ano ninguém se lemgra que eles existem. Quanto do que os criticam colaboram de alguma forma para as corporações de bombeiros? Quantos são associados dos bombeiros? Em vez de criticarem ou de os exultarem com imagens nas redes sociais, passem pelo quartel mais próximo e preencham uma proposta de sócio. O valor das quotas não é assim tão alto. Bebe-se menos 2 cafés por mês e consegue-se. É pouco mas do pouco se faz muito.
Uma palavra aos jornalistas. O vosso trabalho é louvável e permite-nos perceber o que se passa. Mas não exagerem. Vão para casa descansar porque senão só fazem asneira.
É impossível não voltar a falar da tragédia que se abateu sobre Portugal no fim-de-semana que passou. É preciso analisar, reflectir, apurar responsabilidades. As pessoas que se viram cercadas de fogo fugiram por instinto de sobrevivência mas infelizmente fugiram em direcção à morte. Os relatos que se ouviram, as imagens dos carros carbonizados só me fizeram lembrar as pessoas que se atiraram das Torres Gémeas em chamas a 11 de Setembro de 2001.
As pessoas revoltam-se e culpam os bombeiros, a Protecção Civil, o Governo. É preciso perceber se se fez tudo o que era possível para que os sobreviventes possam encontrar paz e consolo nos seus corações.
E o que é que cada um de nós pode fazer para ajudar? Quantos de nós são sócios das corporações de bombeiros da nossa zona de residência?! A maioria dos bombeiros portugueses são voluntários. Repito, voluntários. Dão horas das suas vidas para estarem ao serviço dos outros. Arriscam a vida para salvarem outras vidas. Fazem o que podem com os meios e a formação que têm. Será que merecem ser tão criticados como são sempre nestas situações?! Se não foram a todas as aldeias acredito que foi por não terem conseguido, por não serem em número suficiente para chegar a todo o lado. Infelizmente a comunicação social tem mostrado inúmeras situações onde eles não chegaram a tempo. E que tal mostrarem também as situações em que eles conseguiram actuar?!
Uma das histórias tristes que apareceram nas redes sociais foi a de um menino de 4 anos que morreu com o tio na EN 236-1. Ao que parece os pais do menino estavam fora do país em lua-de-mel e deixaram o menino aos cuidados dos padrinhos. O que é que estes pais estarão a sentir? Não posso deixar de imaginar que se devem sentir culpados por terem ido de férias e deixado cá o filho. Pobres pais! Como é que se reage a um acontecimento destes?!
Ao ver as notícias ontem senti, várias vezes, as lágrimas correrem pela cara abaixo. São imagens e relatos que nunca esquecerei tal como não esqueci o incêndio do Chiado, a queda da ponte de Entre-os-Rios, o ataque às Torres Gémeas ou os incêndios da Madeira.
Este fim-de-semana ficará tristemente marcado na nossa memória. Todos os anos, Portugal enfrenta o flagelo dos fogos florestais. No ano passado até a Madeira foi atingida. Com estas temperaturas elevadas, era expectável que voltassemos a ter um problema grave mas nunca imaginei uma desgraça como a que vemos hoje. Ontem quando me deitei não me apercebi da dimensão.A última notícia que ouvi já dava conta de 39 mortos e 59 feridos e, infelizmente, não deve ficar por aqui. pessoas que morreram em casa porque não conseguiram fugir ou nos carros a tentar escapar. Nem consigo imaginar o horror de se perceber que se vai morrer carbonizado.
Nunca tinha havido tão grande tragédia com incêndios nos últimos 50 anos.
Tenho tanta pena que um sítio tão bonito como Pedrogão Grande, onde comemorei os meus 40 anos, fique marcado por este acontecimento.
Que os bombeiros possam continuar a ter forças e ânimo para continuarem a combater estes e outros fogos que alastram pelo país. E que os que perderam alguém nesta desgraça possam encontrar consolo na sua dor.
Actualização às 8h47m: 43 mortos
Nova actualização: 58 mortos. Qual será a real dimensão desta tragédia?!
Actualização 13h07m: 62 mortos (61 porque uma das vítimas foi contabilizada 2 vezes)